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sexta-feira, 18 de abril de 2014

O ousado ataque de Lampião a Mossoró


José Bezerra Lima Irmão
Membro da Academia de Cultura da Bahia e da
Academia Literária do Amplo Sertão Sergipano
Autor do livro Lampião – a Raposa das Caatingas:  http://araposadascaatingas.blogspot.com.br/

     Em junho de 1927, Lampião empreendeu uma das mais arrojadas razias da história do cangaço. Partindo de Aurora, no Ceará, ele rompeu com seu bando o extremo oeste da Paraíba e penetrou no Rio Grande do Norte, com o propósito de saquear Mossoró, a maior cidade potiguar depois da capital.
      Os motivos dessa empreitada, os preparativos e o deslocamento dos cangaceiros a partir de Aurora até Mossoró são contados em detalhes em Lampião – a Raposa das Caatingas. O relato dessa aventurosa incursão, que se iniciou no dia 9 de junho, tem um aspecto pitoresco, a evocação dos antigos nomes dos lugares por onde Lampião passou nomes belíssimos: Catingueira (atual Cachoeira dos Índios), Canto do Feijão (atual Santa Helena), Poço Adão (antiga estação ferroviária de Pilões), Brejo das Freiras, Belém do Rio do Peixe (hoje, Uiraúna), Cavas (Major Sales), Vitória (Marcelino Vieira), Boa Esperança (Antônio Martins), Mineiro (Frutuoso Gomes), Gavião (Umarizal), Pedra de Abelha (Felipe Guerra), São Sebastião (Governador Dix-Sept Rosado).
     Já chegando a Mossoró, na Passagem de Oiticica, Lampião enviou bilhetes ao prefeito Rodolfo Fernandes pedindo 400 contos, sob pena de invadir a cidade.
     O dinheiro não veio.
     Alvoroço em Mossoró. Os sinos das três igrejas da cidade começaram a tocar e foram acionados os apitos das caldeiras a vapor das fábricas, para alertar a população de que a cidade estava correndo perigo. Aflição indescritível. Iniciou-se a fuga em massa. Famílias inteiras deixavam suas casas, a pé, a cavalo, de automóvel, de caminhão, de trem. Até enfermos e paralíticos ficaram bons de um instante para outro. Mulheres na hora de parir adiaram o parto. No desespero, as mães de família levavam consigo apenas o estritamente necessário, ou até nem mesmo isso, iam só com a roupa do corpo, muitas se perderam dos filhos e dos maridos, e lá se iam chorando, gritando, chamando por Santa Luzia, São Vicente, Nossa Senhora da Conceição... Uns se embrenhavam nos matos, outros corriam para o litoral, muitos moradores das praias de Porto Franco, Tibau e Areia Branca se refugiaram em barcos e foram para o mar.
      Sabendo que suas lojas seriam saqueadas, os principais comerciantes de Mossoró reuniram-se com o prefeito a fim de traçar um plano de defesa. Conseguiram grande quantidade de fuzis, carabinas, revólveres, espingardas e até armas antigas, e saíram à procura de homens dispostos a lutar em troca de algum dinheiro. Somados os soldados e os voluntários, logo havia uns 200 homens prontos para a guerra.
      A noite de 12 de junho de 1927 foi, sem dúvida, a mais longa da história de Mossoró.
      O portador do último bilhete enviado ao prefeito era um sujeito chamado Formiga. Acredita-se que Formiga era parente do cangaceiro Luís Pedro. Lampião estipulou prazo para que o prefeito enviasse o dinheiro.
      Transcrevo, a seguir, trechos do capítulo 76 do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição do ousado ataque de Virgulino Ferreira à rica cidade de Mossoró. Faço essa transcrição com o propósito de assim contribuir para o registro desse fato da história do cangaço, porém lembrando que é proibida a sua reprodução integral ou parcial sem a autorização prévia do autor.


"O assédio à casa do prefeito de Mossoró
      Duas da tarde.
      Esgotado o prazo estipulado, Lampião decidiu não esperar mais pela volta de Formiga e soprou o apito para reunir o bando. Mormaço deu uns sopros na corneta, e a cabroeira começou a deslocar-se em direção ao rio, por uma vereda que ia dar no local da travessia, entre as fazendas Ingá, na margem direita, e Estreito, na margem esquerda, onde o rio curveteia quase formando um círculo.
      O nível da água estava alto, na altura da barriga dos animais, obrigando os cangaceiros a levantar as pernas para não se molhar. Lampião reclamou com Massilon:
      – Cê nun mi diche qui o rio tava seco, home?
      – Eu nun isperava pur isso – justificou-se Massilon.
      – Nunca fiz ũa viage tão atrapaiada cumo esta! Nada tá dano certo! – resmungou Lampião, taciturno, observando a movimentação dos cavaleiros.
      Já do outro lado do rio, os cangaceiros encontraram Formiga, que vinha trazendo um bilhete do prefeito. Todo mundo parou, ansioso, aguardando ordens. Lampião abriu o bilhete e leu:
      “Virgulino Lampião.
       Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma. (a) Rodolfo Fernandes – Prefeito. 13.06.1927.”

Lampião amassou o bilhete, furioso, e exclamou:
     – Eu lá faço conta dessa porcaria?! Vamo, prossigam! Eu vou passiá im Mossoró e jantá cum o prefeito!
     Pegaram adiante a estrada que vinha do alto sertão e num lugar chamado Saco (atual bairro Belo Horizonte) desmontaram. A partir daquele ponto iriam a pé. Oito cangaceiros ficariam ali, uns vigiando os reféns nas casas de Joaquim Soares e de Domingos Camilo, e outros tomando conta dos animais na várzea da fazenda Pasta. Formiga ficou também com os reféns. Os demais cangaceiros, em torno de 40, orientados por Massilon, retomaram a estrada do sertão, à época conhecida como “estrada dos comboeiros”, pela qual em linha reta penetrariam em Mossoró (essa estrada constitui atualmente a Av. Alberto Maranhão). Como Jararaca estava embriagado, praticamente fora de si, seus cabras passaram a integrar o grupo de Sabino Gomes. Lampião recomendou que Sabino tivesse cuidado com ele.
     Passava das três da tarde.
     Do Saco para a cidade dava menos de meia légua. Os cangaceiros atravessaram os trilhos do trem, avistando à direita a bonita ponte metálica sobre o Apodi, e avançaram pelo Alto da Conceição. Sabino Gomes ia vestido com uma farda da polícia, aquela que tinha sido encontrada no automóvel incendiado na fazenda Caiçara.
     O Alto da Conceição não era propriamente um “alto”, era apenas uma parte imperceptivelmente mais elevada do extenso vale dominado por verdejantes carnaúbas com suas palmas em leque, entrevendo-se lá adiante o casario da cidade, à margem esquerda do rio. Lampião nunca tinha visto uma cidade tão grande. Tinha muitos prédios, várias fábricas e três igrejas, além da capela do Alto da Conceição. Comentou, apreensivo:
     – Esse Massilon é doido... Cidade cum mais de ũa igreja nun é pra cangacero – e, elevando a voz, ordenou: – Vamo atacá! Chegamo tão perto qui é ũa vergonha vortá sem dá uns tiro!

* * *
     Seguindo o plano traçado inicialmente, o bando dividiu-se em três grupos, chefiados por Lampião, Sabino Gomes e Vila Nova:

♦ o grupo de Sabino – o mais numeroso, por incorporar o de Jararaca, que estava completamente bêbado – iria pela esquerda, acompanhando a linha do trem, e perto da estação ferroviária dobraria à direita por uma rua que dava acesso ao fundo da Igreja de São Vicente de Paula, para atacar a casa do prefeito pelo flanco direito;

♦ Lampião, com 14 cabras, coadjuvado por Massilon e Moreno, também seguiria o mesmo roteiro, pela estrada de ferro, porém se separaria de Sabino e seguiria em frente em direção à estação do trem, a fim de atacar a casa do prefeito pelos fundos;

♦ a coluna de Vila Nova iria pela direita, pela Lagoa dos Canudos, abeirando o rio, onde ficava o bairro dos Pereiros, e perto da barragem dobraria à esquerda, passaria pela igreja matriz e subiria a fim de completar o cerco à casa do prefeito pelo outro lado.

Portanto, os três grupos tinham como alvo principal a casa do prefeito. Lampião justificou a escolha da casa de Rodolfo Fernandes, mesmo sabendo que era o ponto mais fortificado, dizendo: “A cobra se mata na cabeça”.

* * *

O dentista Antônio Brasil, com um binóculo no campanário da Igreja Matriz, avistou os cangaceiros e deu três badaladas no sino – era o sinal combinado, alertando os homens das trincheiras.
     Eram mais ou menos 4 horas da tarde. Caía uma chuva fina e trovejava. Lampião, a fim de impressionar, mandou que o “corneteiro” fosse na frente soprando o instrumento, dando assim ao evento o tom de uma batalha. Como noutras ocasiões, uns cantavam Mulher Rendeira, outros gritavam vivas ao Padre Cícero e aos santos de sua predileção, outros simplesmente gritavam imprecações, enquanto davam tiros para assustar a população – mas não havia “população” alguma, as famílias haviam fugido.

* * *

A coluna de Vila Nova tinha uma missão complicada porque, depois dos Pereiros, ao atingir a barragem, para chegar à casa do prefeito teria de atravessar bem pelo centro da cidade, que estava cheio de trincheiras.
     As outras duas colunas seguiram pela linha do trem. Sabino Gomes, vestido de soldado, ia na frente, como se fosse um chefe de volante. Ao passar da usina de Alfredo Fernandes, Sabino e seu grupo deixaram a linha férrea, dobraram à direita, contornando pela traseira o oitão da Igreja de São Vicente, e atravessaram tranquilamente a praça. Os defensores da cidade, escutando a corneta e vendo aquele sujeito fardado de cáqui à frente de um grupo armado, hesitavam em atirar, pois podia tratar-se de um reforço enviado pelas cidades vizinhas para socorrer Mossoró. Isso deu tempo para que os cangaceiros pusessem abaixo a porta da casa de Joaquim Perdigão Nogueira – genro do prefeito –, fazendo dela seu baluarte, entestando de viés a poderosa trincheira da casa do prefeito. Quando Rodolfo Fernandes percebeu o logro, gritou “Atirem!”, porém já era tarde, os cangaceiros estavam resguardados. Sabino, o último a entrar na casa, recebeu dois tiros, mas ambos de raspão, um no quepe, outro na perneira. A casa encontrava-se vazia, pois Joaquim Perdigão estava viajando – Joaquim Perdigão, funcionário da Fazenda Federal, estava viajando (encontrava-se em Maceió).
     Com esse estratagema quase pueril, o atrevido Sabino Gomes conseguira realizar uma proeza inacreditável, misto de heroísmo e loucura, instalando seus homens num ponto privilegiado, bem em frente à igreja, a apenas uns vinte ou trinta metros do palacete do prefeito, de cuja fachada se tinha uma visão perfeita – a casa de Rodolfo Fernandes era a segunda a partir da esquina, no outro lado da avenida que cortava a extremidade da praça da igreja.
     Começou a fuzilaria. As balas ricocheteavam nas calçadas, nas paredes, nos postes de ferro, sibilando como serpentes voadoras. Os cangaceiros gritavam:
     – Botem a cabeça de fora, safados!
     Na casa do prefeito, os mossoroenses respondiam:
     – Saiam daí, bandidos! Venham buscá os quatocentos conto!...
     Por sua vez, os comandados de Vila Nova, tendo de fazer um percurso bem maior, não conseguiram sincronizar sua ação com a dos companheiros, e, antes de chegar à praça do mercado, escutaram o tiroteio. Como tinham de passar bem pelo centro da cidade, toparam com várias trincheiras: na barragem, no bueiro do esgoto perto do rio (“boca do esgoto”), na rua do telégrafo, na prefeitura, na praça da matriz, no Grande Hotel. Para os lados da casa do prefeito, a fuzilaria era impressionante. Nesse ínterim, um dos cabras de Vila Nova, Dois de Ouro, recebeu um tiro de raspão na nuca. Assombrados, isolados do resto do bando e supondo que seria inútil avançar pois talvez àquela altura Lampião já estivesse morto, os homens de Vila Nova correram de volta para o local onde tinham ficado os cavalos.
     O grupo de Lampião também encontrou dura resistência ao aproximar-se da estação ferroviária e terminou se dispersando: Massilon e outros apoderaram-se de um prédio solitário onde funcionava a Sociedade União de Artistas, à esquerda dos trilhos, e dali passaram a trocar tiros com os homens que defendiam a estação do trem, poucos metros à frente; Ezequiel e outros cangaceiros jovens se entocaram dentro do cemitério, à esquerda da estação; no lado oposto, Luís Pedro, Moreno e Virgínio arrombaram a porta da garagem no fundo da casa do prefeito, passando a controlar o quintal; Lampião meteu-se com alguns cabras por uma rua que ia sair no fundo da Igreja de São Vicente, pelo lado esquerdo, a fim de dar cobertura a Sabino Gomes, que avançara pelo outro lado.
     A posição dos que estavam com Lampião era perigosa, pois o único anteparo era o beiço da calçada da igreja, mas num instante os cabras arrombaram a porta da casa de Pacífico de Almeida, no fundo da igreja, e entocaram-se nela.
     Lampião fez uma avaliação sumária da situação. Havia atiradores na torre da igreja e em várias casas aparentemente desertas. A casa do prefeito ficava na avenida que passava em frente à igreja. Era a segunda casa. A primeira, na esquina, era a de Alfredo Fernandes, cunhado do prefeito. Como naquele trecho os defensores estavam posicionados nos telhados, os cangaceiros que ficassem colados às paredes não seriam vistos por quem estivesse lá em cima. Os cangaceiros também levavam vantagem em relação aos atiradores postados na torre da igreja, pois estes, devido à espessura da parede e à larga cornija circundante, não tinham a visão da praça, só podendo atirar em alvos distantes, e se se erguessem para mirar alvos próximos ficariam expostos perigosamente. Notando isso, Lampião mandou que um grupo de cangaceiros liderado por Ás de Ouro avançasse abeirando o muro do oitão da casa de Alfredo Fernandes, para armar o bote contra o palacete do prefeito.
     Porém, quando os cangaceiros liderados por Ás de Ouro chegaram à esquina, viram que a casa do prefeito estava protegida por fardos de algodão dispostos uns sobre os outros. Só havia um recurso: saltar por cima dos fardos e enfrentar os defensores corpo a corpo. Ás de Ouro cochichou para os companheiros:
     – Se nóis fô deitado no chão eles nun nos vê. Nóis se alevanta de veis e sarta lá dento. Eles nun ispera isso. Quano verem o pirigo, eles vão se assombrá tanto qui nun reage. Vão se intregá todos, se mijano de medo.
     – Então vamo! – apoiou Colchete. – Eu nun tenho medo de assombração! Vamo pegá eles é na unha!
     Deitaram-se no chão e, engatinhando, dobraram a esquina da casa de Alfredo Fernandes e se arrastaram até o pé dos fardos de algodão.
     Os cangaceiros encastelados na casa de Joaquim Perdigão notaram a manobra dos companheiros e prepararam-se para dar cobertura. Jararaca e outros dois cabras saltaram por uma janela da casa de Perdigão, atravessaram a rua correndo e colaram-se ao canto da parede do oitão da casa de Francisco Marcelino, na esquina oposta, em frente à casa de Alfredo Fernandes, combinando por gestos o assalto ao palacete do prefeito com os cabras de Ás de Ouro posicionados no outro lado da avenida.
     Ás de Ouro e os companheiros, agachados junto aos fardos de algodão em frente à casa do prefeito, estavam prontos para o bote. Colchete, o mais arrojado, impacientou-se e tomou a iniciativa, mas, quando botou a cabeça acima da trincheira, o mossoroense Manoel Duarte, aboletado na platibanda do palacete, assombrou-se com aquele chapelão de couro que se ergueu inesperadamente bem à sua frente, e puxou o gatilho. O cangaceiro deu um pulo e mecanicamente saiu cambaleando, indo cair no outro lado da avenida, na beira da calçada de Francisco Marcelino. A bala entrara por um olho e atravessara a cabeça.
     Jararaca, bêbado, ao ver Colchete ferido a poucos passos de onde estava, tentou apoderar-se do rifle e demais pertences do companheiro, sendo então atingido no peito direito pelo mesmo atirador. Desesperado, sem poder correr, Jararaca gritou por socorro:
     – Sabino, tou firido!... Me ajude!...
     Não havia, contudo, como socorrê-lo, pois choviam balas de todos os lados – o próprio Sabino estava encurralado na casa de Joaquim Perdigão, pois pela frente havia atiradores na casa do prefeito e na torre da igreja, pela esquerda vinham tiros da casa de Ezequiel Fernandes, pelo fundo atiravam da casa de Bento Praxedes, e pela direita, da casa de Júlio Maia.
     Lampião não tinha experiência em guerra urbana, o seu forte era a luta na caatinga, nas serras. Em Mossoró, por não conhecer o traçado da cidade, não sabia onde ficava nada, só escutava os tiros, não via ninguém, era como se estivesse lutando com fantasmas. Para completar o desacerto, estava anoitecendo. Soprou então o apito e deu três tiros espaçados de parabelo, sinal convencionado de retirada. O fumaceiro intenso provocado pelas armas facilitava a fuga.
     Quem conduziu o bando na retirada foi Massilon, para evitar erro, pois Lampião não tinha certeza quanto ao lugar onde tinham ficado os animais.
     Eram quase cinco da tarde. O assédio a Mossoró durara mais ou menos uma hora.
Lampião

 Sabino Gomes

Massilon

* * *
     Há muitas versões sobre o ataque de Lampião a Mossoró. Além das divergências dos relatos, existem narrativas fantásticas, contando proezas exageradas. Há mais folclore do que história. Um relato sério e imparcial encontra-se em Billy Jaynes Chandler. Vera Ferreira e Antonio Amaury fazem uma síntese das várias versões. A distribuição dos grupos e a descrição do ataque feita por Nertan Macedo são irreais – o autor chega a descrever o avanço do bando, ao som de cornetas, “descendo” o Alto da Conceição (do Alto da Conceição para o centro da cidade nem se desce, nem se sobe, é tudo plano. Houve quem dissesse que Lampião entrou em Mossoró levando os reféns na frente, portando fuzis sem balas, para que servissem de escudo caso houvesse reação dos moradores. Isso é falso: de acordo com o Auto de Perguntas de Luís Joaquim de Silveira (Formiga), no depoimento prestado ao tenente Laurentino Ferreira de Morais, os reféns ficaram no Saco, subúrbio da cidade, guardados por cerca de 10 cangaceiros. A refém dona Maria José confirmou isso, dizendo que os reféns ficaram guardados por 6 bandidos. A descrição mais acurada do ataque a Mossoró foi feita por Frederico Bezerra Maciel e Raimundo Nonato, secundados por Raul Fernandes e Sérgio Augusto de Souza Dantas.
     Hilário Lucetti e Magérbio Lucena fazem ressalvas ao propalado heroísmo dos defensores de Mossoró. Dizem eles: “A verdade histórica é que o célebre cangaceiro humilhou aquela Unidade da Federação o quanto quis, pisoteando o orgulho daquela gente sem encontrar a mínima resistência de paisanos ou da ineficiente polícia daquela terra que só demonstrava valentia na hora de executar cangaceiros algemados”.
     Sérgio Augusto de Souza Dantas ressalta a evidente vantagem dos defensores da cidade, que, além de estarem bem posicionados nas várias trincheiras, formavam um contingente de homens pelo menos três vezes maior que o dos cangaceiros – praticamente 200 homens bem entrincheirados contra pouco mais de 50.
     E note-se que os mossoroenses não foram colhidos de surpresa. Rodrigues de Carvalho frisa bem esse aspecto: uma cidade das proporções de Mossoró, avisada com mais ou menos um mês de antecedência de que seria atacada, teve tempo de preparar-se com cerca de 200 homens bem armados e bem entrincheirados, de modo que se houve algum heroísmo nesse assalto foi dos cangaceiros, porque para fazer o que fizeram era preciso não apenas intrepidez, mas uma boa dose de loucura. E pondera: “Tivesse Lampião cometido a besteira de fazer o mesmo com qualquer cidadezinha de Pernambuco, Paraíba ou Alagoas, longe das enormes proporções de Mossoró, teria ele praticado o suicídio”.
     De fato, exagera-se muito a valentia do povo de Mossoró, esquecendo que Lampião chegou a atingir o coração da cidade – a casa do prefeito... A rigor, quem pode se orgulhar de valentia são os moradores dos lugares onde Lampião não ousou entrar, embora tencionasse: Princesa, na Paraíba; Misssão Velha, no Ceará; Morro do Chapéu, Bonfim, Uauá, Itiúba e Santo Antônio da Glória, na Bahia. Quanto ao fato de Lampião haver “corrido” de Mossoró, a verdade é que Lampião usava a tática de guerrilha, que consiste justamente em atacar e fugir. Ele nunca disfarçou suas fugas – as fugas faziam parte de sua estratégia de luta.
     Sem menosprezar o papel desempenhado pelas autoridades e pelos moradores de Mossoró, há que se destacar a façanha indescritível daqueles cangaceiros loucos que tiveram a ousadia de invadir a maior cidade potiguar, depois da capital, cercando três lados da casa do prefeito, o ponto onde se concentrava o grosso da resistência. Deve-se frisar sobretudo a audácia de Sabino Gomes, cujo grupo, depois de invadir a casa do genro do prefeito, tomou posição praticamente em frente ao palacete de Rodolfo Fernandes. A sorte dos mossoroenses foi que Lampião não conhecia a cidade. Se ele conhecesse o traçado das ruas, não teria mandado Vila Nova pela direita, tendo de passar pelo centro da cidade, e sim pela esquerda, contornando o cemitério e a estação do trem, onde não havia casas, para atacar o palacete do prefeito pelo outro lado. E mais sorte tiveram os mossoroenses porque o ataque se deu quase ao anoitecer. Se o ataque tivesse sido mais cedo, a história poderia ser outra...
                                       
Colchete, o morto
     Ninguém teve coragem de perseguir o bando na saída da cidade. Quando os defensores perceberam que os cangaceiros tinham ido embora, saíram de seus esconderijos, numa euforia incrível, abraçavam-se, gritavam, atiravam para o alto, cada um contando um pedaço do que tinha visto, exagerando os fatos – agora todo mundo arrotava valentia. Amarraram pelas pernas o cangaceiro morto e saíram arrastando-o, em algazarra louca, até a praça da Igreja Matriz de Santa Luzia, onde o colocaram sentado, encostado à porta principal do templo. Alguém cortou uma orelha do morto e deu-lhe uma facada.
     Decidiu-se que Colchete não seria enterrado no cemitério. Cangaceiro não era gente.
Como diziam que outro cangaceiro tinha sido baleado, saíram à sua procura.
 
             




Prefeito Rodolfo Fernandes  -  Bilhete de Lampião para o prefeito

 Ponte do trem

Antônio Gurgel

Estação Ferroviária

Palacete de Rodolfo Fernandes, vendo-se ao lado a Igreja de São Vicente


Captura e trucidação de Jararaca
     O cangaceiro ferido era Jararaca. Bêbado, ele tinha sido alvejado ao tentar apoderar-se dos pertences de Colchete. Quando Lampião apitou ordenando a retirada, Jararaca, perdendo muito sangue, levantou-se, atravessou a avenida e saiu aos tombos pelo oitão da casa de Alfredo Fernandes, mas quando chegou à linha férrea recebeu outro tiro, na coxa esquerda. Não vendo mais os companheiros e não conhecendo o caminho, ele seguiu os trilhos do trem, arrastando-se a duras penas, atravessou a ponte ferroviária e escondeu-se no mato, no outro lado do rio. Ao romper do dia, pediu socorro em uma casa, uma espécie de barraca, onde estavam alojados dois trabalhadores da estrada de ferro e o guarda da ponte. Os homens logo compreenderam do que se tratava. Não fizeram perguntas. Fingindo compadecimento, um deles – Pedro Tomé – se prontificou a ir comprar remédio. O ferido deu-lhe 500 mil-réis. O homem foi direto ao quartel. A polícia não teve dificuldades para prender o cangaceiro e levá-lo, aos trancões, para o xadrez.
     Antes de interrogar o prisioneiro, a polícia cuidou de outras coisas mais práticas, a “limpeza” dos bolsos e bornais do bandido, registrando-se então sérios desentendimentos entre autoridades e subordinados quanto a saber o que tocava a cada um. Jararaca, como chefe de grupo, carregava consigo uma pequena fortuna. Porém, oficialmente, foi registrado que ele estava apenas com 400 mil-réis em cédulas e algumas peças de ouro e prata.
     Vicente Saboia, diretor da estrada de ferro, insultou o preso, xingando-o de vários modos, mas, ao chamá-lo de ladrão, o cangaceiro estremeceu:
     – Nun sou ladrão não, seu coroné!... Me chame de assassino, mais nun me chame de ladrão! Eu nun robo, eu tomo pelas arma!
     Logo cedo começaram a chegar forças das cidades próximas. O povo, delirante com a vitória, foi voltando aos poucos para suas casas. Houve passeatas, discursos, saudações e, claro, muita bebedeira. Porém, a certa altura, correu o rumor de que Lampião tinha sido visto na Passagem do Rio, abaixo de Camurupim, de volta a Mossoró – e de novo foi aquela correria, teve até mulher que estava para parir e morreu de susto.

* * *
     Aproveitando-se da confusão, alguns repórteres conseguiram entrevistar Jararaca antes do interrogatório da polícia.
     O primeiro repórter a entrevistá-lo foi o jovem repórter Lauro da Escóssia, do jornal O Mossoroense.
     Jararaca deu outra entrevista ao repórter do Correio do Povo. Dentre outras coisas, ele declarou que Lampião subornava oficiais de polícia. Citou nomes. Delatou coiteiros importantes.
     Do cotejo dessas entrevistas com o teor do interrogatório policial resultaram duas versões em vários pontos contraditórias, a da imprensa e a “oficial”.
     O interrogatório policial somente ocorreria às 16 horas do dia 14. O Auto de Perguntas realizado pelo delegado, tenente Laurentino Ferreira de Morais, foi lavrado pelo escrivão Euclides Carneiro. O interrogatório começou tecnicamente, pela qualificação do meliante: nome, idade, estado civil, etc. Seu nome real era José Leite de Santana. Tinha 26 anos de idade. Solteiro. Natural do município de Buíque, Pernambuco. Sem residência fixa. Atualmente exercendo a profissão de cangaceiro. Sabia ler e escrever. Ex-soldado do Exército.
     Em seguida, as perguntas concentraram-se nos episódios ocorridos no itinerário do bando até Mossoró e em sua participação no ataque à cidade.
     Quando o interrogatório passou a fatos passados, o cangaceiro revelou segredos do bando, declinando os nomes de vários protetores de Lampião, entre eles uma alta patente da polícia pernambucana. O delegado ficou em dúvida se aquelas coisas deveriam constar no Auto de Perguntas. Ele não sabia que o preso já havia falado tudo para os repórteres.

* * *
     Nas entrevistas à imprensa, Jararaca contou que o major Teófanes Torres, que coordenava as ações da polícia pernambucana no combate ao cangaço, era protetor de Lampião, e os dois tinham um acordo: os cangaceiros não atacavam as propriedades de Teófanes, e o major fazia o possível para que a perseguição aos cangaceiros não desse em nada.
     Essas revelações tiveram o efeito de uma bomba. As denúncias comprometiam nada mais nada menos que o coordenador da campanha contra o cangaço em Pernambuco!

* * *

Tudo se repetiria três meses depois, ao ser “ouvido” o cangaceiro Mormaço (Francisco Ramos de Almeida) por seu carrasco, o tenente Joaquim Teixeira de Moura, fazendo especial referência ao major Teófanes Torres. Contou que, perto de Vila Bela, Lampião havia mandado pedir munição ao major Teófanes e na noite do mesmo dia chegou um portador do referido major, de nome José Olavo, conduzindo a encomenda solicitada. Outros coiteiros citados por Mormaço foram os coronéis Pedro da Luz, Isaías Arruda, Ângelo da Jia, Marcolino Diniz, Veremundo Soares e Joaquim Santana.
     A rigor, as acusações atinentes ao major Teófanes não eram novidade, pois os comentários a seu respeito já corriam mundo. Em março de 1927, quando os cangaceiros Gavião, Zabelê, Cancão e Beija-Flor foram presos, ao chegarem a Rio Branco (Arcoverde), onde pegariam o trem para o Recife, foram interrogados pelo comandante do destacamento local, o tenente João Jacó, e uma das perguntas foi esta: onde era que os cangaceiros se abasteciam de munição e quem a fornecia em tão grande quantidade. Beija-Flor, encarando o tenente com serenidade, respondeu também com uma pergunta:
     – Seu tenente, o sinhô cunhece o majó Teófe?
     – Então, não hei de conhecer? – respondeu o tenente. – É o meu comandante.
     – Apois eu me admiro do sinhô, cunhiceno ele, inda fazê ũa pergunta besta dessa...
     Constrangido, o tenente fez que não ouviu, arrematando:
     – Muda de assunto, cabra! Tu tá é danado de fome, nun sabe nem o qui tá dizeno... Vou mandá trazê cumida pra voceis – e deu por encerrado o interrogatório.

* * *

Inicialmente, Jararaca não teve qualquer assistência. Não fizeram sequer curativos. Sujo de sangue, foi jogado num cubículo infecto, sem comer e sem beber.
     Porém, de repente, por alguma razão, tudo mudou. O cangaceiro passou a ser visitado por um médico, o Dr. João Marcelino de Oliveira, que constatou: um pulmão estava perfurado e havia um ferimento grave numa coxa. Passou até a receber “visitas” – muitos curiosos foram vê-lo na cadeia, inclusive a mulher do prefeito, dona Isaura Fernandes Pessoa.
     Na tarde do dia 14, pouco antes do interrogatório de Jararaca, chegara a Mossoró a volante paraibana comandada por Clementino José Furtado, o famoso e perverso sargento Quelé, que já havia sido cangaceiro de Lampião. Quando a volante chegou, houve a maior correria, pois se suponha que era Lampião que estava voltando – os soldados paraibanos, com suas roupas de mescla azul, chapelões enormes e lenços amarrados no pescoço, os cabelos compridos até os ombros e os rostos barbudos e encovados pela canseira da longa caminhada, assemelhavam-se em tudo aos cangaceiros.
     Um dos integrantes da volante de Quelé tentou retirar um anel do dedo do cangaceiro e, como não conseguisse, puxou o facão da cintura, pegou um tamborete e ordenou:
     – Bote o dedo im riba!
     O Dr. João Marcelino, que estava presente, adiantou-se providencialmente:
     – Meu senhor, não faça isso! Cortar o dedo na minha frente, não!
     Após a chegada de Quelé, cessaram os interrogatórios. Quelé tinha motivos de sobra para querer calar a boca de Jararaca, haja vista que era apadrinhado do major Teófanes. Embora Jararaca se encontrasse em franca recuperação, resolveu-se levá-lo para a Capital, a fim de tratar dos seus ferimentos. Jararaca disse:
     – Eu sei qui nun vão me levá pra lugá nĩhum, eu vou mermo é morrê. Mais um gosto eu nun dou pra voceis: de se gabá qui eu pidi pra nun me matare. Vão vê cumo é qui morre um cangacero!
     Por volta da meia-noite do sábado, 18 de junho, dois automóveis pararam em frente à cadeia pública. Da operação só participavam policiais – nenhum civil: compunham a “escolta” os tenentes João Antunes, Laurentino de Morais e Abdon Nunes de Carvalho, os sargentos Pedro Sílvio de Morais, João Laurentino Soares e Eugênio Rodrigues, os cabos José Trajano e Manoel, os soldados Militão e Paulo e os motoristas João Arcanjo e Homero Couto.
     Aos primeiros minutos do dia 19, Jararaca foi posto num dos carros. Em voz alta, os homens comentavam que estavam indo para Natal. Porém os veículos saíram da cadeia direto para o cemitério, onde uma cova já estava aberta. Jararaca, acuado como uma fera entre caçadores, foi retirado do carro e conduzido até o buraco que o aguardava. Deram-lhe uma coronhada de fuzil na nuca e uma punhalada no pescoço. Jararaca soltou um urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados começaram a cobrir o corpo com a terra, enquanto o cabra se estrebuchava, sufocado, tentando levantar-se.

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     A versão da polícia foi de que o preso iria ser tratado na Capital, mas, como estava muito debilitado, “morreu no caminho”.
     O médico que atestou a morte também participou da encenação macabra – o “exame cadavérico” foi feito com o preso ainda vivo: embora Jararaca tenha sido assassinado nas primeiras horas da madrugada do dia 19, o laudo do seu exame cadavérico já estava pronto desde as 4 horas da tarde do dia anterior. O documento inicia-se assim: “Aos dezoito dias do mês de junho de mil novecentos e vinte e sete, nesta cidade de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, pelas quatro horas da tarde, no edifício da Cadeia Pública desta cidade...”
     A morte de Jararaca, cercada de mistério, foi motivo de uma enxurrada de comentários. O prefeito protestou que a morte do preso ofuscava o brilho da vitória dos mossoroenses. Falava-se que o cangaceiro tinha consigo muito dinheiro e ouro, que simplesmente sumiu.
     A sepultura de Jararaca virou local de visitação pública. Muitos fiéis faziam promessas e, acreditando ter recebido as graças desejadas, iam acender velas para o cangaceiro milagroso. O escritor Oleone Coelho Fontes conta que no dia em que lá esteve, 14 de janeiro de 1987, havia uma velinha acesa no túmulo.
 Jararaca na cadeia de Mossoró

Túmulo de Jararaca


A retirada, rumo ao Ceará
     Os cangaceiros, abandonando a praça de guerra, transpuseram a linha férrea e detiveram-se ao lado do cemitério, a fim de esperar que todos chegassem. Havia alguns feridos, dois em estado desesperador. Supondo que quem não apareceu é porque tinha morrido, saíram dali, passaram por um campo de futebol e mais adiante fletiram à esquerda, indo reunir-se nas imediações do Saco, no fim do bairro Doze Anos, na casa de um sujeito chamado Juvenal. Enquanto cuidavam dos feridos, Lampião mandou buscar os reféns e as montarias, que tinham ficado na várzea da fazenda Pasta. Os curativos dos feridos foram feitos às pressas, Lampião gritando “Vamo! Vamo! Vamo!”, pois temia que os moradores viessem atacá-los.
     Virgínio tinha um ferimento superficial na coxa. Ás de Ouro apresentava um arranhão no nariz. Alagoano estava com o lábio inferior partido. Tudo bobagem. Os casos graves eram os de Dois de Ouro e Chumbinho. Dois de Ouro, com um rasgão na nuca, não tinha forças nem para gemer. Chumbinho, ferido nas costelas, com uma toalha atada na barriga, gritava:
     – Vala-me Nossa Sinhora!... Vala-me Nossa Sinhora!...
     Por volta das seis e meia da noite, chegaram por dentro do roçado de Juvenal os animais trazidos da várzea da Pasta, juntamente com os reféns. Sem perda de tempo, Lampião ordenou a partida, de volta ao Ceará, agora por outro caminho, pelo oeste, orientando-se inicialmente pela linha do telégrafo, a “estrada do fio”.
     Na retirada, o guia era Formiga. Como ele não conhecia bem a região, perdeu-se nuns desvios que iam em direção à fazenda Solidão, no rumo de Apodi. Na fazenda de Luís Firmino, um feirante chamado Antônio Gomes de Araújo, vulgo Tinoco, conduziu o bando ao caminho certo. Ao dispensar Formiga, Lampião disse que ele fosse falar com Antônio Gurgel, que queria mandar um bilhete para a família. Quando se despediram, Lampião disse que Formiga podia levar o cavalo em que estava montado.
     O bando pernoitou num local conhecido como Baixa da Broca, de Raimundo Agostinho Pereira, depois da fazenda Pedra Branca. Estava todo mundo tão cansado que não havia ânimo nem para procurar comida. E não era para menos: em cinco dias, tinham viajado cerca de 400 quilômetros no lombo de cavalos e burros."

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O texto acima, em itálico, é reprodução do relato que faço em Lampião - a Raposa das Caatingas.
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     A viagem de volta foi feita por outro roteiro, passando pelas fazendas Jucuri, Veneza, Baixa Branca e Lagoa do Rocha, onde o bando penetrou no Ceará, registrando-se então os episódios de Limoeiro do Norte, Tabuleiro, Armador, Arara, Saco do Garcia, Serrote da Roda, Serra da Micaela, Macambira, Velame... Na fim do mês de junho, o bando chegou ao Cariri.
     No dia 7 de julho, deu-se a famosa tentativa de envenenamento do bando na fazenda Ipueiras.
Os cangaceiros viajavam a pé, em rota incerta, estropiados e famintos, com a polícia em seu rastro – mais de 400 soldados, envolvendo as forças da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.
A fim de desnortear as forças policiais, Lampião deu indicações de que estava indo atacar o povoado de São Francisco (atual Quitaiús), no município de Lavras da Mangabeira. Fortes contingentes deslocaram-se para lá.
Lampião deixou todo mundo chupando dedo. No sítio Boa Vista, ao sul de Milagres, conseguiu cavalos, e ao amanhecer do dia 11 de julho, atravessou a estrada que desce para Brejo Santo, e numa rota puxada, em diagonal, rompeu as terras das fazendas Carnaubinha, Junco, Jenipapeiro, Moquém, Jetirana, Sabonete, Carvoeiro e Pachola, onde pegou a estrada que desce de Mauriti para Conceição do Piancó, acima da Serra do Poço e da Serra da Cana Brava, e às 8 horas da noite atravessou a divisa do Ceará com a Paraíba na fazenda Lagoinha, onde se desviou para a vila de Santa Inês, pegando ali a estrada do Pajeú.

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Sobre esses fatos, expostos aqui em apertada síntese, leia o capítulo 76 de Lampião – a Raposa das Caatingas:
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